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O estado da coisa cultural

Typewriter & Morrissey

Se a forma como os meios de comunicação se relacionam com os produtos culturais servisse de indicador para aquilatar do grau de desenvolvimento de um país, Portugal mostrar-se-ia nos dias de hoje tão débil quanto a candidatura de Mário Soares à presidência da República. Portugal vive, no momento presente, um dos mais tristes períodos no que à propagação da cultura através dos órgãos de informação diz respeito. E isso deve-se, quase exclusivamente, a um vírus a que pode chamar-se a Consagração da Mediocridade.

Em duas pinceladas se despacha o assunto televisão e o assunto rádio. Em televisão, traça-se o ponto médio entre a imbecilidade das propostas culturais e as prioridades das indústrias. Apela-se ao cidadão anónimo que não dispende um cêntimo em algo mais do que discos de grupos com origem em telenovelas ou em livros de socialmente tontos e tontas armados ao pingarelho. Ficam os programadores de consciência lavada pela ideia de serviço público. Na rádio, não se faz rádio. Faz-se propaganda, faz-se o favor à indústria do disco, faz-se a antítese da comunicação de e para pessoas. Com excepções que facilmente se enumeram.

A imprensa é, por norma, o universo onde habitam os mais relevantes pensadores da coisa cultural. O que facilmente se compreende, uma vez que pensar é coisa que se costuma fazer antes de escrever, ao contrário daquilo que amiúde se vê nos órgãos onde são proeminentes os profissionais conhecidos como "pés de microfone". Simplesmente, a imprensa que hoje em Portugal se dedica à citada coisa cultural é uma salada mal confeccionada em que as poucas folhas de alface ainda viçosas se enterram num emaranhado de molho e bolor. Vivemos hoje num país que despreza o que tem mais do que uma aparência vagamente apelativa. Os balões, por muito bonitos que sejam, rebentam-se com um alfinete.

Uma questão que ultrapassa por completo os plumitivos propriamente ditos é a incapacidade que os donos do capital têm para entender a forma como se comunica cultura para os públicos mais diversos. E isso resulta, sobretudo, de dois factores: por um lado, não é raro encontrar na liderança de grupos ou órgãos de comunicação quem sobre comunicação pouco mais sabe que coisa nenhuma. É um facto, por muito sinistro que possa parecer. Jornais, revistas, discos, livros, batatas, pensos higiénicos, detergentes para roupa sensível e amaciadores de cabelo são uma e a mesma coisa, para todos os efeitos. Em consequência, promovem-se jornais como se promovem amaciadores de cabelo. O que faz com que os primeiros não cheguem a parte nenhuma porque querem chegar a todos com investimento zero. Por outro lado, os profissionais que realmente sabem como escrever a cultura estão ou perdidos num limbo chamado emprego ou em situações muito pouco dignas no que à simples sobrevivência diz respeito.

Tal como na indústria do disco, em que as editoras chamadas independentes cumprem a sua missão com galhardia, também nos meios de comunicação escrita se saúdam os projectos de teor, digamos, alternativo. Esses, e quase exclusivamente esses, fazem muito mais do que aquilo a que são obrigados, rasgando convenções e desafiando obrigações, fazendo o manguito ao facilitismo e ambicionando o impossível. Se isto fosse um debate, o moderador pediria aqui os nomes e levaria com uma OP, uma Umbigo ou uma Mondo Bizarre. E calar-se-ia perante a evidência dos factos. Mas será descabido ambicionar comunicar a cultura para mais do que umas centenas de pessoas ou escassos milhares? Obviamente, não. A não ser que estejamos na Serra Leoa, o país com mais baixo nível de desenvolvimento conhecido.

No que à comunicação escrita para um número ambicioso de pessoas diz respeito, o cenário presente padece de qualquer coisa entre a esquizofrenia e a total ausência de apego pela pungência e pela actualidade. Por um lado, há os suplementos de jornais generalistas que se comportam sem a noção de que estão nas bancas protegidos por um título mais poderoso do que DN Música, Y ou Actual. Frequentemente, jogam o jogo fictício da concorrência como se esta fosse mais importante do que a dedicação ao leitor que se traduz na sua fidelização. Concretamente, o primeiro sabe o que é o mercado mas está escondido na contracapa do DNA; o segundo é cada vez mais um all-star team ao qual infelizmente não foi explicado, por exemplo, que duas páginas de notícias semanais sobre novos filmes ou novas tricas representam papel deitado à rua; o terceiro, entalado numa publicação onde a luta mais feroz é a dos egos, só recentemente acordou para a vida e se apercebeu de que o cinzentismo dos instalados só é prestigiante nas obsoletas cartilhas de jornalismo (Jorge Manuel Lopes e Miguel Francisco Cadete são um alívio no contexto).

De algo como o BLITZ não me fica bem falar. Ainda que não seja despropositado afirmar que o que ali existe é um monstro de diversas cabeças, umas mais pensantes do que outras.

Não há, no momento presente, espaço para os mais interessantes pensadores da coisa cultural fazerem o seu exercício jornalístico de uma forma que sustente as necessidades básicas de alimentação. Há, no máximo, as avenças, as situações mais do que precárias dos recibos verdes e as generosas contribuições inseridas na lógica do "trabalhar para aquecer". A responsabilidade reside, sobretudo, em quem não tem olhos e ouvidos para os outros, os que, não sendo barões do capital, são-no do conceito de actualidade, pungência e acutilância. Quando aquilo a que se ambiciona se resume a uma marcação cerrada a esparsos brilhos como os Prémios MTV ou o Rock in Rio Lisboa, a radiogradia parece estar feita. Mesmo que, no caso dos exemplos referidos, a música (a arte mais consumida de todas) seja apenas um acessório no seio de um folclore maior.

Desculpai o gentil leitor mas parece-me estar ali a ver alguém a quem posso vender um seguro de vida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

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